Análise da InfoAmazonia revela que, desde março de 2023, deputados e senadores da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável divulgam campanhas sobre mineração com uso da verba dos seus gabinetes, além de omitir aos usuários das plataformas quais são os impactos ambientais.
Três parlamentares membros da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável (FPMin) têm patrocinado anúncios nas redes sociais para obter apoio público sobre o avanço da mineração no Brasil. Uma análise exclusiva da InfoAmazonia revela que, entre março de 2023 e 15 de janeiro de 2025, foram 23 campanhas publicitárias a favor do garimpo financiadas por meio da verba dos gabinetes dos parlamentares e com indícios de greenwashing, uma estratégia de comunicação que utiliza um discurso de “sustentabilidade” sem revelar integralmente os impactos ambientais.
Criada em 2019, no primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro, a FPMin tem 24 membros, entre deputados federais e senadores, no Congresso Nacional. Juntos, eles defendem a atualização na legislação sobre mineração no país e, desde março de 2023, adotaram o uso da palavra “sustentável”: Antes, existia a Frente Parlamentar da Mineração. Em março de 2023, ela ou a se chamar Frente Parlamentar da Mineração Sustentável — ou seja, uma frente que sempre atuou em prol da mineração e de sua expansão incorporou o termo “sustentável” ao nome. para se referir à atividade.
No período analisado, a reportagem identificou que os anúncios foram impulsionados por três parlamentares: o presidente da FPMin, deputado Zé Silva (Solidariedade/MG); o vice-presidente, senador Zequinha Marinho (Podemos/PA); e o deputado Keniston Braga (MDB/PA).

Enquanto divulgam os supostos benefícios da mineração “sustentável”, esses três parlamentares da FPMin promovem projetos que flexibilizam normas de proteção ambiental. Zé Silva tem histórico com a pauta mineradora: em 2018, ele foi citado numa reportagem do Brasil de Fato sobre candidatos de Minas Gerais que recebiam financiamento de mineradoras para atuar em prol do setor.
Já Zequinha Marinho atuou como o senador “abre-portas” no governo federal para lobistas do garimpo e do agronegócio que atuam ilegalmente na Amazônia, conduta denunciada em 2022 pela Agência Pública.
As campanhas foram encontradas a partir da busca pelo termo “mineração sustentável” na Biblioteca de Anúncios da Meta, responsável pelo Facebook, Instagram, Messenger e WhatsApp. O conteúdo associa a mineração ao desenvolvimento econômico e tecnológico, sem mencionar os impactos ambientais e sociais ligados ao setor.
Além disso, as postagens pagas geralmente associam a imagem dos parlamentares a “heróis do desenvolvimento”, porta-vozes da inovação tecnológica, defensores de trabalhadores e apoiadores das comunidades impactadas pela mineração.
A desinformação gerada por campanhas com estratégias greenwashing promove “discursos para projetar uma falsa imagem de responsabilidade ambiental”, como explica Carlos Eduardo Barros, coordenador de projetos no Netlab da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador sobre desinformação socioambiental. Ele avalia que é necessário que a população seja alertada sobre discursos “falaciosos”.
No entanto, não se trata apenas de uma contradição entre o que se divulga publicamente e a prática, conforme avalia o pesquisador Maurício Angelo, diretor do Observatório da Mineração e doutorando em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP).
“O conceito é muito mais um rebrand [reposicionamento de marca], como a própria indústria já reconheceu, do que algo prático. Você muda a forma como se apresenta para a sociedade, mas qual foi a medida significativa que houve no modelo mineral brasileiro? Nenhuma”, diz Angelo.
O conceito é muito mais um rebrand [reposicionamento de marca], como a própria indústria já reconheceu, do que algo prático. Você muda a forma como se apresenta para a sociedade, mas qual foi a medida significativa que houve no modelo mineral brasileiro? Nenhuma.
Maurício Angelo, pesquisador da USP
Atuação pró-mineração dos parlamentares
O deputado Zé Silva apresentou três projetos de lei nos últimos dois anos para flexibilizar a legislação e desonerar mineradoras: o Projeto de Lei (PL) 5424/2023, que propõe incentivos financeiros para pesquisa mineral; o PL 2330/24, que prevê a dispensa de relatório de viabilidade econômica de jazidas; e o PL 2780/2024, que amplia os benefícios fiscais para minerais estratégicos. Esse último projeto também é assinado pelo deputado Keniston Braga (MDB/PA) e foi criticado até por Waldir Salvador, consultor de Relações Institucionais e Econômicas da Associação de Municípios Mineradores do Brasil, que afirmou que o setor é o menos onerado no Brasil e que já existem “benesses de sobra”.
Com as campanhas publicitárias online, Zé Silva e Keniston Braga promovem esses projetos de lei como impulsionadores do desenvolvimento econômico. Em um dos anúncios, Braga exalta a mineração no Pará como uma oportunidade financeira, mas sem detalhar os conflitos socioambientais da atividade. Os posts foram direcionados para cidades do sudeste do Pará, como Canaã dos Carajás e Parauapebas, regiões marcadas pelo desmatamento e pela atuação do garimpo ilegal.
Já o senador Zequinha Marinho (Podemos/PA), outro membro da FPMin, também investiu recursos públicos em publicidade digital para associar a mineração à sustentabilidade. Em um anúncio direcionado ao Pará, ele patrocinou posts para divulgar o avanço do PL 2973/2023, de sua autoria, que permite a concessão de lavra garimpeira em áreas que tenham requerimento ou autorização de pesquisa.
Em tese, na avaliação do pesquisador Luiz Jardim Wanderley, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em mineração e conflitos territoriais, a ideia do senador de legalizar pequenos garimpos poderia até ser positiva, já que permitiria a regularização e uma fiscalização mais efetiva em regiões menores. No entanto, ele alerta que a forma como o projeto é conduzido “pode aumentar a pressão de garimpeiros sobre áreas de pesquisa”. Isso porque, ao propor a legalização de garimpos em atividade nessas regiões — que, por lei, ainda não são consideradas áreas de mineração — o projeto pode acabar incentivando a reclassificação dessas áreas para viabilizar a legalização de atividades que hoje são ilegais.
Questionada sobre o conceito de mineração sustentável pela reportagem, a Frente Parlamentar da Mineração Sustentável, por meio do presidente Zé Silva, alegou que o grupo tem atuação com foco em “boas práticas”.
“Tem como fundamento que a mineração sustentável defendida por seus membros está fundamentada em boas práticas de aproveitamento minerário e na ciência com pesquisa e inovação tecnológica, que assegure o menor impacto possível ao meio ambiente e às comunidades locais”. As assessorias do senador Zequinha Marinho e do deputado Keniston Braga não responderam à reportagem.
Risco de desinformação
O pesquisador Maurício Angelo também destacou como o posicionamento público de parlamentares pode ser contraditório, revelando um descomo entre o discurso e a realidade. Ele aponta que a própria mineração, em sua essência, enfrenta barreiras estruturais para ser sustentável, sendo uma atividade considerada predatória e com impactos ambientais irreversíveis.
“É muito difícil afirmar que a mineração pode ser sustentável — na prática, isso se mostra contraditório e extremamente difícil de ser aplicado”, afirma. Além disso, ele avalia que, no Brasil, não existe um modelo de mineração sustentável que corresponda, de fato, ao que os parlamentares costumam defender.
É muito difícil afirmar que a mineração pode ser sustentável — na prática, isso se mostra contraditório e extremamente difícil de ser aplicado.
Maurício Angelo, pesquisador da USP
O professor da UFF Luiz Wanderley concorda. Para ele, é possível ter uma mineração que seja menos violenta à sociedade e ao meio ambiente, mas isso não a tornará sustentável. “A legislação mineral brasileira não tem um parágrafo sobre quais seriam as condições de uma mineração sustentável, não se tem uma legislação que discuta o que seria uma mineração sustentável do ponto de vista legal”, explica, destacando que há também um desafio legal de monitoramento e aplicabilidade para a criação de um setor menos predatório.
Charles Trocate, membro da Coordenação Nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), na cidade de Parauapebas, no Pará, critica o uso do termo “mineração sustentável”.
“A mineração, para esses discursos, é sustentável, mas, na prática, é produtora de ruínas, principalmente, territoriais, de desestabilização desses territórios. Esse recurso oriundo da mineração não se concretiza na região, ele se concretiza no centro do país, quando não se realiza no exterior”, pondera Trocate.
_____________________________________
Esta reportagem foi produzida por jornalistas bolsistas da segunda edição do curso de Jornalismo Investigativo Ambiental e Geojornalismo, oferecido com o apoio da Earth Journalism Network da Internews, e é parte do eixo educacional da InfoAmazonia.